Política
02 Abril de 2024 | 12h32

Angolanos identificam-se com a paz há 22 anos

Angola assinala, a 4 de Abril, 22 anos de paz efectiva, num clima de sã convivência política e de inúmeros desafios sociais e económicos que têm que ser vencidos para o necessário salto rumo ao desenvolvimento.

O alcance de tal objectivo exige, contudo, a consolidação do espírito de Reconciliação Nacional no quadro do processo em curso no país e já reconhecido como modelo no continente.

Afigura-se igualmente vital manter-se sobre carris o processo de Reconstrução Nacional, em simultâneo com a recuperação de infra-estruturas destruídas durante a guerra.

Contrariamente ao esperado ao alcançar-se a Independência Nacional, em 1975, seguiu-se um conflito armado interno que terminou somente quase 30 anos depois.

A paz, diga-se, traduziu-se num "parto” difícil, ao cabo de um período de "gestação” de 11 anos de muito sofrimento até à assinatura, a 4 de Abril de 2002, do Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka, entre o Governo e a UNITA, terminando o longo período de guerra.

Mas antes disso, foi a 31 de Maio de 1991 que o Governo angolano, através do Presidente José Eduardo dos Santos, e a UNITA, por Jonas Savimbi, rubricaram, em Estoril (Portugal), os Acordos de Bicesse, que, entretanto, rapidamente se revelaram insuficientes para trazer a paz definitiva.

Ainda assim, são tidos como importantes para as mudanças ocorridas no país, nomeadamente, no capítulo da democracia.

Um frágil cessar-fogo ainda possibilitou a realização das primeiras eleições multipartidárias, em Setembro de 1992, ganhas pelo MPLA, enquanto o seu líder, José Eduardo dos Santos, na altura Presidente da República, ficava a 1% de obter a maioria absoluta e evitar a segunda volta.

Com 49,57% dos votos validamente expressos contra 40,07% de Jonas Savimb, os dois candidatos mais votados deviam disputar a segunda volta, não fosse o retorno à guerra.

Outros escrutínios ocorreram, em 2008 (legislativas), e em 2012, 2017 e 2022 (presidenciais e legislativas).

A ineficácia daqueles acordos levou a novas rondas de negociações, destacando-se as que culminaram com o Protocolo de Lusaka, rubricado, a 20 de Novembro de 1994, pelo então ministro das Relações Exteriores, Venâncio de Moura, e pelo secretário-geral da UNITA da altura, Eugénio Manuvakola.

Alcance da paz

O cenário político-militar só viria a melhorar, definitivamente, volvidos oito anos, quando o Governo e a UNITA assinaram, a 4 de Abril de 2002, o Memorando de Entendimento Complementar ao Protocolo de Lusaka, sendo a data instituída "Dia da Paz e Reconciliação Nacional”, por conseguinte, feriado nacional.

Diferente das anteriores tentativas, este acto teve o mérito de ter sido protagonizado pelos próprios angolanos, concretamente entre as forças beligerantes ao estilo "soluções angolanas para os problemas angolanos".

Estes terão interiorizado a máxima milenar (chinesa) segundo a qual "em batalhas, quaisquer que sejam os resultados, o gosto será sempre amargo, mesmo para os vencedores. Portanto, a guerra deve ser a última solução e só deve ser travada quando não existir outra saída”.

Pós-Abril de 2002

Tida como "bem inegociável da humanidade”, a paz alcançada, há 22 anos, constituiu para os angolanos o renascer de esperanças sem azo para vacilações perante o nobre e premente dever da reconciliação entre irmãos antes desavindos.

Como referiu, certa vez, o Presidente da República, João Lourenço, desde o alcance da Independência e durante três décadas consecutivas, Angola viveu a triste realidade de um conflito armado entre filhos da mesma mãe pátria, que deixou "lições extremamente úteis”.

Tal, frisou o chefe de Estado, levou os angolanos a desarmar os espíritos e enveredar pelo caminho da paz, da reconciliação, da harmonia, do entendimento e da convivência pacífica entre todos, transformando o país num espaço em que todos podem dedicar-se às tarefas do progresso e do desenvolvimento.

Noutra ocasião, o mais alto mandatário da nação afirmava que o diálogo, a tolerância e a unidade devem permanecer como pressupostos para a manutenção da paz efectiva entre os angolanos.

Nesta esteira, a criação da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP) surge como um dos emblemas mais chamativos da Reconciliação Nacional.

Trata-se de uma iniciativa do Executivo, lançada em 2019, com o fim de amainar a dor das famílias enlutadas em consequência dos conflitos ocorridos, em Angola, de 11 de Novembro de 1975 a 4 de Abril de 2002.

O projecto inclui a exumação de ossadas, seguida de certificação científica laboratorial antes de serem entregues às famílias para a realização de funerais condignos.

Lei da Amnistia

Outro aspecto relevante, na esfera do perdão, tem a ver com a aprovação, pela Assembleia Nacional, a 15 de Dezembro de 2022, da Lei da Amnistia, de iniciativa legislativa do Titular do Poder Executivo, enquadrada nas celebrações do 47º aniversário da Independência Nacional.

A lei determina a amnistia de todos os crimes comuns, com penas de prisão até oito anos, cometidos por cidadãos nacionais ou estrangeiros, no período entre 12 de Novembro de 2015 e 11 de Novembro de 2022.

A mesma sorte tiveram os crimes militares, puníveis com penas de prisão até oito anos, com a excepção dos dolosos, cometidos com violência que tenha resultado em morte, bem como os de branqueamento de capitais, corrupção e peculato, tráfico de pessoas e de armas e auxílio à imigração ilegal.

Panorama socioeconómico

Noutro ângulo, mas sempre na senda da coesão social, o Executivo tem procurado conjugar na presente atmosfera de paz outras tarefas atinentes ao desenvolvimento do país, e, concomitantemente, à melhoria de vida dos cidadãos.

O processo de diversificação da economia em curso constitui um dos expoentes nas equações do Governo para o crescimento da produção do sector não petrolífero, assegurar o equilíbrio e a sustentabilidade económica, com notável abertura ao sector privado.

Nesta vertente do relançamento da actividade económica, a paz tem permitido investimentos em infra-estruturas, com incidência sobre os sectores da energia, águas, estradas, portos, aeroportos, caminhos-de-ferro, habitação, saúde e telecomunicações.

Deste mosaico destaca-se a produção de energia, para a construção da maior barragem no país, Caculo Cabaça, em Cambambe, província do Cuanza-Norte, iniciada a 2017, com capacidade de gerar dois mil 171 megawatts de electricidade.

A produção de energia da barragem, como tal, está aprazada para Outubro de 2026, sendo um projecto co-financiado pela República Popular da China e participação da Alemanha.

Outro projecto beneficiário directo da paz e que se espera deveras impactante para a actividade económica e principalmente para mitigar os efeitos da seca no sul do país é o Canal do Cafu, como parte de um amplo programa direccionado às populações vítimas da seca do Cunene, Namibe e Huíla.

O mesmo consiste num sistema de captação e transferência de água do rio Cunene para várias povoações, e distribuição de água potável para 235 mil habitantes, e,

simultaneamente, a disponibilização do precioso líquido para 250 mil cabeças de gado, irrigação de 15 mil hectares, criando 3.275 empregos directos.

Ligação Atlântico-ĺndico

Outro elemento que se espera vir a tornar-se "gigante” para o desenvolvimento industrial do país é o Corredor do Lobito, que une Angola do Oeste a Este (do oceano Atlântico ao Moxico), cuja operacionalização foi adjudicada ao consórcio Trafigura, Vecturis e Mota Engil, com um investimento na ordem de 400 milhões de dólares americanos.

Ao consórcio foi confiada a operação, exploração e manutenção do transporte ferroviário de mercadorias assim como a manutenção de toda a infra-estrutura existente ao longo do corredor de dimensão local e regional, pois, se ligado à Zâmbia, é possível chegar-se à Beira (Moçambique) e a Dar es Salaam (Tanzânia) ambos no oceano Índico.

Está ligado aos sistemas ferroviários da RDC e da Zâmbia e, indirectamente, ao da África do Sul, fazendo parte de uma rede transcontinental.

Crescimento inclusivo

Outro "programa âncora” do Executivo para a melhoria da vida do cidadão é o Plano Integrado de Intervenção nos Municípios (PIIM), com financiamento proveniente do Fundo Soberano de Angola

O PIIM visa materializar acções de Investimento Públicos (PIP), de Despesas de Apoio ao Desenvolvimento (DAD) e de Actividades Básicas (Act), com prioridade para as acções de carácter social, de modo a inibir o êxodo rural e promover o crescimento económico, social e regional mais inclusivo no país.

De acordo com o Executivo, com este programa estão a ser construídas e reabilitadas infra-estruturas como escolas, hospitais, estradas e redes de distribuição de água e energia eléctrica, que garantirão a disponibilidade de serviços básicos ao cidadão e um melhor desenvolvimento das comunidades.

Por ocasião da mais recente Mensagem à Nação, o Presidente da República mencionou um conjunto de reformas em curso na administração local do Estado para reforçar a sua organização e a sua capacidade institucional.

Estas reformas, sublinhou o chefe de Estado, em Outubro de 2023, têm ainda como propósito promover uma governação cada vez mais participativa e mais bem preparada para os desafios da descentralização administrativa resultante do processo de institucionalização das autarquias locais.

Programas em curso

O actual contexto de estabilidade e segurança no país tem tornado fértil o terreno para a execução de projectos como PLANAGRÃO, PROPRIV, PLANAPESCAS, PLANAPECUÁRIA e PLANATUR, no âmbito da Estratégia de Longo Prazo Angola 2050, do Plano de Desenvolvimento Nacional 2023-2027 e do Programa de Governo 2022-2027.

Na base dos mesmos está o relançamento da indústria, da agricultura, do turismo, da pecuária e da piscicultura, bem como o fomento da empregabilidade e a melhoria do ambiente de negócios, visando a atracção de investimentos.

A coabitação destes e doutros programas com o PRODESI (Programa de Apoio à Produção Nacional, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações) pode levar Angola a reexperimentar patamares anteriores, como de primeiro exportador mundial de banana e primeiro exportador africano de carne bovina.

Com base na fonte credível que forneceu esses dados, Angola pode ainda revisitar ou suplantar o estatuto de segundo exportador mundial de farinha de peixe, segundo produtor mundial de açúcar, terceiro produtor mundial de café, quarto produtor mundial de algodão e segundo exportador africano de sisal.

Entretanto, para o país poder reaver estas e outras performances, além do seu reconhecido espírito de resiliência, os angolanos precisam de preservar o seu "activo” mais valioso, a paz.