Saúde
05 Janeiro de 2024 | 09h15

Pacientes com diabetes enfrentam dificuldades na aquisição de medicamentos

Perda da visão e a otite média (corrimento nos ouvidos) são algumas das consequências da diabetes que acomete há anos Adilson Tomás, de 57 anos.

nternado na cama número 11 do Hospital Geral de Luanda, Adilson Tomás é um paciente com quadro clínico crítico, devido às complicações associadas à doença.

Ao ser abordado pela equipa do Jornal de Angola, Adilson Tomás sequer conseguia enxergar e a audição era muito reduzida. Com o auxílio do médico em serviço, o paciente contou que chegou a esta condição por falta do uso dos medicamentos receitados para controlar a patologia principal, que é crónica.

"A medicação é muito cara. Infelizmente, não tenho possibilidades para comprar sempre que necessário, por isso estou nesta situação ", lamentou.

Agitado devido às dores que sentia nos ouvidos, Adilson Tomás revelou que parou  de trabalhar devido às sequelas da doença e agora depende de doações de familiares para comprar os medicamentos.

Em relação ao plano do Executivo para subvencionar alguns medicamentos de doenças crónicas não transmissíveis, em que se enquadra a diabetes, Adilson Tomás mostrou-se satisfeito, enxugou as lágrimas e exclamou: "se assim for, muitas vidas serão salvas!”.

 Pinto Mateus também deixou de trabalhar

Tal como Adilson Tomás, outros cidadãos enfrentam as mesmas dificuldades para a aquisição de medicamentos.  É o caso de Pinto Mateus, de 37 anos, que só descobriu que tinha diabetes há pouco menos de dois meses. Pinto Mateus disse que a notícia lhe caiu como uma "bomba”. "Foi difícil reconhecer isso”, frisou.

Disse que no princípio sentia fortes dores no corpo, perdia constantemente as forças nos membros inferiores e começou a emagrecer a olhos vistos. Preocupado com a situação, dirigiu-se ao banco de urgência de Medicina do Hospital Geral de Luanda, onde foi diagnosticado com diabetes do tipo dois. "Nem podia acreditar. O golpe mais duro foi saber que teria de fazer a medicação a vida toda”, revelou com o semblante preocupado.

Pinto Mateus avançou que foi receitado a tomar Glibenclamida e Metformina. "Cada lâmina custa 3.000 kwanzas ou mais, dependendo de cada farmácia. Não tenho condições, porque, devido ao meu estado de saúde, tive que parar de trabalhar. Agora, apenas a mulher cuida da casa e contamos, às vezes, com a ajuda da família”, sublinhou.

O entrevistado revelou que, apesar da doença estar na fase inicial, o sofrimento é grande, acrescentando que a pretensão do Governo em subvencionar alguns medicamentos é uma luz no meio da escuridão. "Seria muito gratificante, principalmente para nós de classe baixa, cuja preocupação é mais para a alimentação, enquanto a doença nos consome”, lamentou.

Obesidade como factor de risco

Depois de uma crise, Exacta Ginga, de 51 anos, obeso e hipertenso, foi internado de emergência no Hospital Geral de Luanda.

Já sob cuidados médicos, foi diagnosticado com  diabetes do tipo dois. "Agora são três doenças graves e o cuidado deve ser redobrado”, disse ao Jornal de Angola.

Exacta Ginga disse encarar a nova realidade com responsabilidade. "É uma doença perigosa, com um custo muito elevado. A minha maior preocupação está na aquisição dos medicamentos, uma vez que já tenho feito medicação diária de AVC. Agora, com mais uma doença crónica, não sei como vai ser a minha situação”, lamentou.

  "Subvenção dos medicamentos  pelo Estado vai ajudar a população”

O director do Serviço de Endocrinologia do Hospital Josina Machel, José Mavungo, afirmou que a evolução das doenças crónicas agudas está relacionada com a condição económica e social do paciente. Por isso, o médico acredita que a subvenção dos medicamentos pelo Estado vai ajudar a vida da população.

Ao falar sobre a diabetes, o médico endocrinologista informou que muitos pacientes com essa patologia são acompanhados no Hospital Josina Machel. "São muitos os pacientes, que, às vezes, ficamos com pouca capacidade de resposta em termos de medicamentos”, referiu, acrescentando que a média diária é de cinco a seis pacientes.

"O paciente, depois de diagnosticado, é-lhe passada uma receita. Mas, quando regressa à consulta, aparece igual ou pior, por não cumprir com a medicação”, revelou.

O médico revelou que muitos dos pacientes afirmam que, devido ao preço dos medicamentos, não conseguem cumprir a medicação. "Muitos, infelizmente, são de baixa renda e nem sempre conseguem comprar a medicação e o hospital não tem condições para cobrir o défice”, avançou.

Tratamento

A diabetes é uma síndrome metabólica de origem múltipla, decorrente da falta de insulina ou incapacidade da mesma em exercer adequadamente a sua função, caracterizada por altas taxas de açúcar no sangue de forma permanente.

O especialista explicou que a diabetes tem três fases de tratamento, a boa alimentação, prática de exercícios físicos e, em último lugar, a medicação.

A nossa realidade, ressaltou, tem sido diferente. "Começamos com o medicamento devido ao estado crítico dos pacientes”, sublinhou, acrescentando que "uma boa alimentação, dieta equilibrada e a prática de exercícios físicos ajudam a manter estável o paciente com diabetes”.

Tipos e causas

O endocrinologista José Mavungo disse que existem  diabetes do tipo 1 e a do tipo 2.

A primeira, referiu, causa auto-imune, o organismo cria defesas que atacam o pâncreas e ele deixa de produzir a insulina. Neste caso, ressaltou, o paciente depende de insulina para viver.

A do tipo 2, esclareceu, é provocada por causas ambientais (sedentarismo, maus hábitos alimentares, perda de sono, fumar, beber, não praticar exercícios físicos e a obesidade) e genéticas.  O médico referiu que nos últimos tempos, as doenças provocadas por causas ambientais têm aumentado, chegando mesmo a competir com as genéticas.

Três a quatro amputações por semana

O director do Serviço de Endocrinologia referiu que, por semana, são realizadas três a quatro amputações, chamadas pés-diabéticos. "São muitos diabéticos que criam feridas nas pernas, tornam-se crónicas e a única solução é amputar”, disse.

O médico ressaltou que o número de amputados tem crescido, uma vez que não se consegue controlar, porque muitos deles chegam neste nível pela dificuldade em conseguir os medicamentos, má alimentação e outros factores. Existem casos, frisou, em que o paciente perde a visão ou até mesmo torna-se inválido. "Grande parte dos pacientes que fazem hemodiálise é por diabetes, depois da malária”, indicou.  

Sistema primário de Saúde

O médico acredita ser importante a funcionalidade do Sistema Primário de Saúde. "Se não tivermos o Sistema de Saúde Primário em ordem, a batalha contra as doenças crónicas agudas será sempre perdida”, frisou.

O Governo anunciou, em Dezembro último, que estava a realizar um estudo para a subvenção dos medicamentos para o tratamento de doenças crónicas não transmissíveis no país, como a hipertensão arterial, anemia falciforme, doenças cardiovasculares, diabetes e outras.

Fonte: JA