“Tchitundu Hulu não são apenas pinturas rupestres, mas um conjunto de sítios onde se encontram pinturas e gravuras de uma estação arqueológica que tem mais de quatro mil anos, com vestígios da passagem e da instalação de povos pré-históricos”, sublinhou Pedro Hangula, acrescentando que, “de acordo com a leitura que se faz das pinturas e das gravuras expostas, percebe-se que eram povos caçadores e colectores e também pastores, com hábitos e costumes distintos”.
O responsável confirmou a vandalização do espaço do Tchitundu Hulu por parte de alguns visitantes. Disse ter notado que algumas pessoas que lá chegam acabam por "descaracterizar a zona, fazendo pinturas com tintas modernas, outros fazendo riscos com material contundente, seja pedra ou outro instrumento, uns com carvão e outras formas que, infelizmente, vão de alguma forma borrando aquela que é a maior estação arqueológica do nosso país, mais expressiva e de elevado valor histórico”.
Esclareceu que quando se eleva um local a Património Mundial elevam-se, também, os níveis de responsabilidade e de conservação. No seu entender, a melhor forma de conservar aquela estação arqueológica é "olhar para a consciência de cada um que visita o espaço”. Argumentou que a UNESCO exige que esses espaços sejam de acesso livre. "Não podemos privar o acesso à estação e isso faz com que o grau de vulnerabilidade dessas zonas seja maior quando o nível de responsabilidade de quem as visita não é o desejável”.
Pedro Hangula reiterou o apelo ao bom senso de quem visita o Tchitundu Hulu Mulume e Tchitundu Hulu Mukai. "A única coisa que se deve fazer lá é observar. Não se pode tocar nas pinturas. Não se pode escrever ou riscar nelas”, afirmou, considerando que qualquer acção do género é reprovável, porque pode beliscar a qualidade do acervo histórico.
Lembrou que o Governo do Namibe está a trabalhar em conjunto com o Ministério da Cultura para que "oportunamente” ou "quanto antes” se eleve Tchitundu Hulu a Património Histórico da Humanidade. "É de facto um tema de extrema importância, que consta das prioridades, para que a preservação daquela que é a mais expressiva estação arqueológica do país seja elevada a Património da UNESCO”, aludiu.
O responsável lembrou que já foi feito um trabalho de pesquisa com especialistas que estiveram no local a colher dados sobre a caracterização daquela estação. "Não é um processo tão simples. De acordo com os termos de referência que a UNESCO define, o processo tem alguma complexidade. Temos tido algumas dificuldades, que têm a ver com a falta de especialistas e também com a escassez de recursos. Vamos ver agora, que entrou nas prioridades do Executivo, se nos disponibilizam verbas para continuarmos a fazer o trabalho de base e depois submeter à consideração superior para os devidos efeitos”, disse.
A esse propósito, recordou o compromisso assumido pelo Presidente da República, João Lourenço, na Mensagem sobre o Estado da Nação, no dia 15 de Outubro, na abertura do ano parlamentar, na Assembleia nacional: "Vamos prosseguir os trabalhos preparatórios para a inscrição, junto da UNESCO, dos Sítios do Cuito Cuanavale, do Corredor do Kwanza e da Arte Rupestre Tchitundulu Hulu, os quais constam já da lista indicativa desta agência das Nações Unidas, assim como os Sona (desenhos na areia), para que sejam declarados Património Cultural Imaterial”.
Visão do sociólogo Gaspar Madeira
O sociólogo e antropólogo Hildeberto Gaspar Madeira, já na reforma, revelou que muitas pessoas vão a Tchitundu Hulu Mulume e Tchitundu Hulu Mukai e levam para casa placas com as gravuras como se de brinquedo se tratasse, dizendo "Epá, está aí uma gravura do Tchitundu Hulu, vou pôr na estante da minha casa”.
O antropólogo comparou este comportamento ao de indivíduos que gostam muito de levar livros para casa e nunca os abrem. "Está lá só para o visitante olhar e dizer que o fulano tem muitos livros, é culto. Fazem isso com as gravuras rupestres”, disse, indignado.
Referiu que a prática é também consequência da negligência das autoridades, que não se preocuparam em colocar lá qualquer tipo de protecção. O académico conta que as pessoas chegavam lá, à vontade, e se encontrassem alguma gravura rupestre num espaço que se podia levantar, levavam para casa. "Agora, vamos lá ver como está aquilo. Obras de arte, de antepassados angolanos, talvez kuysses, talvez khoisan, não sei. Os especialistas em Arqueologia, em História e Paleontologia que o digam”, disse.
Hildeberto Gaspar Madeira conta que pessoas houve que iam lá, faziam piqueniques e depois achavam "bonito” escrever em cima das gravuras rupestres palavras como "Aqui passou o António Joaquim” e punham a data. E acrescenta: "E até punham, às vezes, as suas funções, para dizerem que eram pessoas importantes”. Para o entrevistado, isso demonstra "uma grande estupidez”. Hildeberto Gaspar Madeira considera essas práticas uma "grande desconsideração” aos antepassados que fizeram aquelas pinturas, registando a sua maneira de olhar para a natureza e para a vida deles.
A fonte informou que aquilo que muitos arqueólogos consideram como o espaço ́que marca o início das pinturas rupestres nesta região de África está praticamente destruído, não se sabendo se ainda se pode aproveitar alguma coisa. "Os técnicos especialistas que o digam”, lamentou.
Avançou que as gravuras que estavam expostas no muro estão danificadas pela acção da natureza. "O calor do dia e o frio da noite fazem a rocha estalar e as gravuras ficam em placas”.
O sociólogo apresenta algumas reticências quanto à elevação de Tchitundu Hulu a Património Mundial da Humanidade, por entender "haver pouco interesse das autoridades”.
Ainda no seu entender, houve muito mais interesse aquando do processo de candidatura de Mbanza Kongo. "Está bonito, é património mundial, acho bem. Mas o interesse que deveria ter sido dado para um espaço cultural que está ali, feito por angolanos e mais antigo do que o que está em Mbanza Kongo, ,(esse interesse), não foi aplicado. E as autoridades locais também não avançaram”, disse.
Já reformado, Hildeberto Gaspar Madeira lembrou que membros da Associação dos Naturais e Amigos do Namibe, numa viagem ao local, há algum tempo, fizeram uma protecção em ferro, para que os bois não entrassem nas grutas e as destruíssem. "Mas parece que os representantes da UNESCO disseram que não podia ser assim, porque esses espaços candidatos a Património Mundial não podem ter protecção”, lamentou.
"Eu ainda vi as grutas mais ou menos bonitas, não sei como estão hoje. Mas agora tiraram as grades e os bois irrompem para dentro, porque aquilo está mais ou menos ao nível do chão”, esclareceu.
A estação arqueológica do Tchitundu Hulu está situada num morro granítico no município de Virei, a 137 quilómetros da cidade de Moçâmedes.
Fonte: JA