O mundo assinala hoje o Dia da Língua Portuguesa. A efeméride, instituída a 25 de Novembro de 2019, pela UNESCO, numa proclamação subscrita por 193 Estados-membros da organização, vai ser assinalada com mais de 150 actividades em 44 países.
Em Angola, país que se posiciona depois do Brasil, em número de falantes
do português, cerca de 29,3 milhões, agenda igualmente um conjunto de
actividades para marcar o Dia da Língua que une a Comunidade dos Países
de Língua Portuguesa (CPLP), entre eles Angola, Brasil, Cabo Verde,
Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique, Portugal, São Tomé e
Príncipe e Timor-Leste.Uma destas actividades é o lançamento da obra
conjunta de quatro autores sobre o ensino da Língua Portuguesa. O
trabalho "Estudos sobre a didáctica do português na escola angolana”,
repartido em dois volumes, é apresentado amanhã, na União dos Escritores
Angolanos.
Os autores Araújo dos Anjos, David Suelela, José
Ernesto e Nelson Soquessa fazem uma equipa de especialistas que actuam
nos domínios das Linguística pura, ciências da linguagem, estudos
didácticos, artísticos e culturais e da hermenêutica textual,
permitindo-lhes propor soluções interdisciplinares (testadas e
validadas) para um problema comum: a melhoria da qualidade do ensino da
Língua Portuguesa em Angola, com particular destaque para a didáctica da
frase e da escrita e a exploração de uma maior variedade de
dispositivos textuais, enquanto pretextos para o ensino da gramática,
sem os quais o ensino da língua é "seco”, improdutivo.O grupo revela que
foi a necessidade de discutir, em comunidade de especialidade,
problemas concretos relacionados com a qualidade do ensino e
aprendizagem do Português na "escola angolana” que os uniu."Entendemos
que o trabalho colegial permite uma discussão mais rigorosa,
sistemática, ponderada e assertiva para a formulação de propostas
objectivas à comunidade”, reconhecem.
Sob a chancela da editora
Mayamba, a obra está dividida em dois volumes. O primeiro, com 80
páginas, intitula-se "Frase e escrita”, já o segundo, com 86 páginas,
aborda os "Textos literários e autênticos”.Com estes estudos, os autores
pretendem contribuir para o entendimento do processo de
ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa como uma unidade disciplinar
transversal ao currículo do sistema de ensino e de educação de Angola: a
língua é a chave para a aprendizagem das demais disciplinas.O linguista
Araújo dos Anjos explicou ao Jornal de Angola que a equipa apresenta
igualmente tópicos que servirão de mote para o debate nacional sobre a
pertinência didáctico-pedagógica de uma terminologia gramatical
angolana, assente nos princípios universais da Língua Portuguesa, uma
das várias "pedras no caminho” ainda persistentes do ensino da Língua
Portuguesa no país.
Essa perspectiva justifica-se pelo facto de
que todas as línguas naturais, pelo seu carácter biológico, adaptam-se a
geografias, contextos e épocas distintas. E por isso mesmo, em Angola, a
Língua Portuguesa assume parâmetros próprios, resultantes do contacto
dos princípios universais do português com outros sistemas linguísticos,
igualmente, naturais, outras culturas, outras geografias, outras
épocas."Os estudos sobre o Português em Portugal e no Brasil são
seculares, o que lhes permite uma gramaticalização mais sistemática e,
consequentemente, o poderio linguístico-cultural sobre os demais países
membros da comunidade de expressão portuguesa”, reconhecem os
autores.Entretanto, o Português de Angola, apesar de estar em constante
variação e mudança, ainda carece de estudos mais aprofundados sobre a
gramática interna da língua, com vista à sua caracterização e
consequente normalização.
"Já há inúmeros estudos em curso, cujos
resultados levarão o seu tempo para validação, com base em corpora
criteriosamente seleccionados”, revelam, acrescentando que, em Angola,
"é visível uma competição de gramáticas (português europeu, português
brasileiro, português angolano), até mesmo entre falantes considerados
cultos, cuja norma oral diverge consideravelmente da norma escrita. Os
factores são inúmeros e podem ser retomados noutros fóruns”.Por isso, os
autores defendem um investimento sério na gramaticalização do Português
de Angola, fundamentalmente no domínio da frase (sintaxe). Caso
contrário, o comportamento linguístico considerado ideal para o ensino,
administração pública, "cultura”e os média estará dependente dos ditames
da norma padrão europeia do português.
O peso do Português
O
Português é falado por mais de 260 milhões de pessoas nos cinco
continentes, estimando-se que, em 2050, esse número cresça para quase
400 milhões e, em 2100, para mais de 500 milhões, segundo estimativas
das Nações Unidas.As projecções para o final do século apontam que será
no continente africano que se registará o maior aumento do número de
falantes, nomeadamente em Angola, que deverá ter uma população superior a
170 milhões de pessoas, e Moçambique, com mais de 130 milhões de
pessoas.O Português é a língua mais falada no hemisfério sul e a quarta
língua mais falada no mundo como língua materna, a seguir ao mandarim,
inglês e espanhol, segundo o Observatório da Língua Portuguesa. É também
a quinta língua mais utilizada na Internet.
Globalmente, 3,7% da
população mundial fala Português, que é língua oficial dos nove países
membros da Comunidade dos Países (CPLP) e em Macau. Em conjunto, as
economias lusófonas valem cerca de 2.700 milhões de euros, o que faria
deste grupo a sexta maior economia do mundo, se se tratasse de um país,
de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). Os Países de Língua
Portuguesa representam 3,6% da riqueza mundial, 5,48% das plataformas
marítimas globais, 16,3% de disponibilidade global de reservas de água
doce, 10,8 milhões de quilómetros quadrados.O português é também língua
oficial ou de trabalho de cerca de 20 organizações internacionais,
incluindo a União Europeia, União Africana, UNESCO, CPLP, Organização
Mundial da Saúde (OMS), Mercosul, Organização dos Estados Americanos
(OEA), Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO) ou
Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC).
A Língua que tem um museu
O
primeiro museu do mundo totalmente dedicado a um idioma, maior
património imaterial de uma nação, o Museu da Língua Portuguesa, foi
destruído por um incêndio em Dezembro de 2015 e está a ser reconstruído.
A reabertura oficial do espaço, localizado em São Paulo, Brasil, está
prevista para o dia 17 de Julho.Contudo, o museu não deixa o Dia da
Língua Portuguesa passar em branco. A instituição tem uma programação
especial online e gratuita, entre os dias 3 e 7 de Maio. A Semana da
Língua Portuguesa conta com uma performance do músico Tom Zé e um
encontro virtual com os escritores Mia Couto (Moçambique), José Eduardo
Agualusa (Angola) e Inês Pedrosa (Portugal).
Haverá ainda uma
aula do músico e ensaísta José Miguel Wisnik, além de uma mesa ao vivo
sobre o funk e a literatura. A cantora Maria Bethânia vai encerrar o
evento, com a leitura em vídeo do poema "Os Argonautas”, de Fernando
Pessoa. O evento comemora o Dia da Língua Portuguesa, celebrado em 5 de
Maio.Quando for reaberto, o museu revelar-se-á completamente
transformado. A sua exposição permanente, por exemplo, foi repensada,
com cerca de 80% do conteúdo a ser reformulado. O museu também vai
abrigar mostras temporárias, sendo que a primeira é "Língua Solta”, que
faz uma relação entre obras de arte e a língua portuguesa. Nela, estarão
objectos que ancoram os seus significados no uso das palavras e que
foram produzidos por artistas como Leonilson, Rosângela Rennó, Jac
Leirner, Emmanuel Nassar e Jonathas de Andrade.
Fonte: JA