Entrevistas
11 Abril de 2021 | 10h15

Helga Fety foi vítima de plágio

Helga Fety, cantora e actriz há vários anos, reconhece a crise de valores e a falta de respeito aos direitos autorais por parte de muitos fazedores de arte. Depois de algum tempo longe dos holofotes por questões de saúde, a cantora e actriz abriu-se e desvendou-nos os seus projectos artísticos. A também produtora executiva, empresária e professora de informática disse que a sua caminhada artística teve início na cidade do Huambo, como integrante do grupo “As Harpas de Deus”, da Igreja Evangélica

Nasceu na cidade do Huambo, mas foi na Bulgária, uma sociedade europeia, onde despertou o interesse pela música. A sua música reflecte ou afasta-se deste paradigma?
Ter feito canto e ballet clássico na Bulgária, durante a minha infância, com certeza deve ter influenciado a minha inclinação para as artes no geral, porque também crio outras coisas relacionadas às artes: desenho, escrevo, componho, canto, danço, pinto, etc. Porém, o meu estilo musical nada tem de europeu, os batuques e as tarolas mexem muito comigo [risos], por isso canto zouk e agora uma fusão de afro house e naija. O zouk é um estilo musical afro-caribenho originário de Guadalupe e Martinica, que, apesar de se terem tornado um departamento ultramarino insular francês, situam-se na América Central.


Diz-se que Sófia (na Bulgária) a influenciou do ponto de vista estético, sobretudo através dos cheiros, sons, cores e canções que a terão marcado muito, do ponto de vista estético. Provém daí a sinestesia constante das suas obras?
Penso que sim. Todas as nossas vivências, de certa forma, influenciam a nossa percepção e o nosso posicionamento. Julgo ter uma sensibilidade extra em relação a cheiros, sons, cores e estética e parte desta sensibilidade pode ser característica e a outra fruto da indução.


Nasceu no meio de uma família de académicos, falo do seu pai, o escritor e professor Dr. João Portelinha da Silva e da sua mãe, a economista Dra. Francisca Fortes da Silva. Que peugadas lhe deixaram estas duas pessoas?
De muito orgulho, de inspiração, de busca constante por superação, de não defraudar, de não decepcionar, um misto de emoções positivas mas que me policiaram e tornaram na pessoa que sou hoje.

Que impulso teve na sua carreira o grupo de música gospel denominado "As Harpas de Deus”, pertencente à Igreja Evangélica? Quais as melhores memórias que guarda deste projecto?
Estruturou-me como cantora, guardo as melhores memórias possíveis, pessoas boas e companheiras, sendo uma delas o meu irmão Márcio, um dos meus melhores amigos.


Por que não optou pelo estilo musical gospel?
No meu álbum, tenho um tema gospel e sempre terei um na posição 7, porém canto sobre o amor e sobre outros temas como forma de intervir socialmente, de um modo leve e descontraído. Deus é amor, tem várias formas de honrarmos o Seu nome, sendo assertivos.


Como é que surgem as ideias para as suas composições? Qual é a inspiração?
Cada composição tem o seu processo. Algumas, do nada crio a melodia e daí vou construindo a narrativa com base num tema vivido por mim ou por alguém próximo, depois vamos para a produção do instrumental. Noutras, o processo é inverso, o produtor faz o arranjo e com base no instrumental, no que sinto em relação à cadência do mesmo, componho por cima. Gosto de intervir no processo todo, desde a criação, a produção, a storyboard dos vídeos até à edição de imagens. Não é propriamente fácil trabalhar comigo (risos).


Quanto tempo leva a criar uma música?
Depende da inspiração e do que a música exige. Posso levar horas ou minutos.


Regressando ao passado, como surgiu o seu interesse pela música?
Tive aulas de canto muito nova, mas ter frequentado a Igreja Evangélica, de certeza, foi um divisor de águas para a pessoa e artista que era e em que me tornei.


O nome Jorge Antunes diz-lhe alguma coisa?
Eu tenho um carinho enorme pelo Jorge Antunes. Para além de ter sido meu professor de Língua Portuguesa, um excelente professor, na altura tinha eu 16 anos, a seu convite e por incentivo da minha mãe, participei da 1ª Edição do Programa Estrelas ao Palco, interpretando a cantora norte-americana Britney Spears. Fui às finais conquistando assim várias oportunidades e convites para participar em trabalhos discográficos com várias produtoras e cantores renomados. Ele ajudou muito a impulsionar a minha carreira artística. Tenho uma eterna gratidão.


Actualmente existe uma pressão maior para inovar. Como resiste?
Sou muito sensitiva, se a música não me diz nada nem sequer a consigo cantar. Em relação a pessoas também preciso de uma conexão real, por isso, inovando ou não, o mais importante é sentir a música.


Quantos prémios já conquistou em termos musicais?
Os prémios e as nomeações que recebi foram os de artista revelação, artista feminina do ano, artista popular na Internet, música mais pedida - "Maravilhoso”, de minha autoria - no Angolan Music Awards, do meu single solidário; ganhei o Prémio LAC UNITEL como a Favorita do Público, no Festival da Canção, em que concorri interpretando o tema "Meu amor virou segredo”, composição de Artur Neves; recebi menção de honra e de reconhecimento como actriz, cantora e filantropa; mais recentemente a minha música "Entrega Total” recebeu uma indicação para melhor kizomba nos AMA.

 
Por que razão decidiu enveredar pela teledramaturgia?
Na altura, era muito difícil conseguir patrocínios para investir na minha carreira musical, principalmente sendo um novo valor, então vi a teledramaturgia como um pontapé de saída. Incentivada pelo meu pai, fui a um casting para actores na TPA, passei e a partir daí, fui convidada a fazer parte do elenco da novela de horário nobre Vidas Ocultas. Fiz um curso de teledramaturgia oferecido pela TPA em parceria com a TV Globo, orientado pelos realizadores da Globo Bourri e Reinaldo Barreto Lisboa. A seguir recebi um convite para integrar o elenco principal da novela Reviravolta e participei em várias telenovelas angolanas, seriados, filmes e peças teatrais, fiz parte do renomado grupo Horizonte Njinga M’bandi.


Ser actriz sempre foi o plano A?
Não era o meu plano A, sempre quis ser cantora. Desde muito nova dizia à minha mãe que o seria. Se eu tivesse conseguido facilmente lançar o meu primeiro álbum de originais desde a altura em que me lancei como cantora, provavelmente não teria enveredado para outras profissões, mas não era fácil, o assédio bloqueou muitas carreiras promissoras em Angola, então eu precisei ganhar independência financeira, maturidade e inteligência emocional, isso também empoderou-me como pessoa, como Mulher.


Quando decidiu que queria fazer Rádio?
Fui convidada para participar como entrevistada na Rádio Luanda e, na altura, os directores da rádio Humberto Jorge (que Deus o tenha) e Mateus Cristóvão gostaram da minha voz, convidaram-me para fazer rádio. Eu aceitei logo, não hesitei. Inicialmente, o espaço era para promoção de vozes femininas e como fui ganhando audiência, a Direcção decidiu dar o meu nome ao espaço - "Espaço Helga Fêty”. Foi maravilhoso, agradeço a todos pela oportunidade.


Como olha para a nova geração de actrizes?
Olho com bons olhos para todos os profissionais angolanos e com muito orgulho, somos todos resilientes, trabalhamos muito e não ganhamos o suficiente, temos muitas dificuldades básicas e ainda assim não perdemos o optimismo, o sorriso no rosto, a vontade de lutarmos para o engrandecimento do nosso país e isso tudo deve ser valorizado. Para melhorarmos a performance dos nossos profissionais em qualquer área, precisamos de investir em formação e os motivar com um salário compatível ao custo de vida que temos em Angola.


Existe alguma rivalidade entre os fazedores de arte em Angola?
Existe sim, por uma questão de ingenuidade, porque unidos somos mais fortes, juntos lutaríamos melhor pelos nossos direitos e com isso teríamos melhores condições de vida e de trabalho.

Recentemente recorreu às redes sociais para tornar público uma denúncia de violação de direitos autorais, neste caso, sobre o uso indevido da sitcom "Casei com a Família”, alegadamente da sua autoria. Fale-nos sobre o assunto…
Criei a sitcom "Casei-me com a família” há mais de 10 anos, quando eu me casei, porque, de facto, apercebi-me que não apenas estava a casar-me com o meu esposo mas com a sua família e que precisaria de fazer algumas cedências a respeito. Esta história é uma adaptação da minha história de vida, mas com alguns exageros próprios para o humor, para ser mais engraçada.


De que forma nasceu a criação do projecto "Casei com a Família” e como foi parar em mãos alheias?
Um pouco depois passei a colaborar com o grupo teatral Horizonte Njinga M’bandi e participei de algumas peças, sendo uma delas "A Sogra”, do dramaturgo Adelino Caracol. Quando vi a Solange Feijó a interpretar "A Sogra” notei logo que tinha encontrado a minha sogra, a July tinha tudo para ser a tia fofoqueira irmã da Solange que tem duas línguas, nunca se posiciona. O esposo da Solange seria interpretado pelo Galiano, um homem alegre, simpático, trapalhão mas que tem medo da mulher, tenta defender a nora mas não se posiciona por conhecer o génio da sua esposa, logo logo adaptei a sinopse à personagem da Solange e escrevi o perfil psicológico de todas as personagens, especialmente para os actores escolhidos. O Adelino Caracol seria o meu esposo.

A  escolha do Adelino deveu-se a termos feito um casting e ele neste casting foi meu esposo, houve muita química entre nós, como se diz vulgarmente, os nossos santos se cruzaram. Chamei a Solange e mais tarde eu, a Solange e a July reunimos e apresentei-lhes a sinopse da sitcom já com o perfil psicológico de cada personagem traçado e a escolha dos actores, disse que o Adelino seria a minha escolha para ser o meu esposo. Não sei por que carga de água, influenciada pela Solange, chamamos o Yuri, que eu sequer conhecia na altura, ela alegou que como ele tinha a valência de escrever falas seria uma boa opção, eu ainda relutei, mas para não impor a minha vontade, por azar aceitei.

Tivemos reuniões e ensaios em minha casa, na altura morava no Mártires de Kifangondo e o comportamento do Yuri já chocava comigo, só imperavam as ideias dele, alterava as minhas falas, diminuía as falas dos actores com quem contracenava, inclusive as minhas e aumentava as falas do seu personagem para falar por mais tempo, por outro lado não era a pessoa ideal, faltava-lhe alguma coisa, não sei se sentido de humor, era muito sério para interpretar aquela personagem cujo carácter psicológico era o de ser espontâneo, honesto, passivo, imparcial, viajado, instruído e muito apaixonado pela esposa, mas mesmo assim, para não imperar a minha vontade, uma vez que respeitava e considerava muito a opinião das minhas colegas, fiz de tudo para dar certo. Mas, se o arrependimento matasse, enfim, "ele nunca foi a minha escolha”, nunca deveria ter aceite a sugestão da Solange para chamá-lo, para convidá-lo.

Hoje entendo o porquê que quando ele entrasse na minha casa o clima ficava tenso, eu tentava de tudo para funcionar. Um dia recebi a todos com muito carinho, cozinhei massa, eles até gozaram comigo, ensaiamos e depois lutei para tentar um contrato com a Semba, falei do projecto com o Coréon Dú, mas logo a seguir fecharam-se as produções na Semba, por isso não entramos no Canal 2, a seguir falei com o Dr. Galiano na Zimbo, ele gostou muito do projecto e só não avançamos na Zimbo porque teriam de fazer novos castings para o elenco e a escolha ficaria a cargo de um director brasileiro. Eu não quis perder o elenco escolhido, por isso ainda falei na hipótese de colocar numa sala de cinema como peça ou no anfiteatro do Royal Plaza, depois disso tive o acidente e foi durante a minha recuperação que eles lançaram na DSTV, no canal Jango Magic. Por isso não me apercebi que fui passada a perna enquanto eu lutava pela minha recuperação. Foi amplamente divulgado o meu estado de saúde.

O Yuri simplesmente pegou no projecto que não era dele, em que foi convidado para participar e o vendeu à DSTV, sem dizer nada. E ainda chamou o elenco principal escolhido por mim a dedo, para começarem as gravações e excluiu-me do projecto, trocou a minha personagem (criada e idealizada por mim) e colocou outra actriz para fazer o meu papel. Enfim, é muita falta de carácter.


Já tem alguma ideia para o seu próximo projecto? E o que tem feito para a reposição da verdade em relação à violação dos seus direitos autorais?
Eu só me apercebi agora que está a passar na TV Zimbo, porque na altura em que passou no Jango Magic não me apercebi, estava a lutar pela minha recuperação e não é um canal que assista muito, passou-me. Eles ainda tiveram este tempo todo para dizerem alguma coisa e não disseram nada. Ainda estive com a Solange na Rádio Escola e não disse nada, a July,  estive com ela num evento da DSTV e, de facto, estranhei o porquê de ela agarrar com força a minha mão, como se estivesse com peso de consciência, mas longe de mim que se tratava disso.

Não esperava, de coração. Que pelo menos adaptassem algumas coisas, trocassem pelo menos o nome para eu depois poder usá-lo, agora roubar a sinopse, as personagens, a escolha dos actores e até o nome da sitcom é demais. Estou em choque até agora, porque não esperava, sinto-me traída pelo elenco, mas a minha maior decepção é pelo carácter do Yuri em dizer-se autor de algo que ele tem plena consciência que não é dele e ainda vender os direitos de exploração para sempre ao canal, anulando o meu direito para sempre ao uso da  minha criação.

Escrevi logo para a SADIA a denunciar o crime, por ser membro da instituição desde 2007, tivemos uma reunião, onde a Direcção afirmou que o Yuri não era membro da SADIA e que iriam salvaguardar os meus direitos.  Após ter sido chamado o Yuri e ter conversado com a Direcção, um mês depois a Direcção chamou-me para uma última reunião com o Yuri, e do nada disseram-me que não se tinham apercebido mas ele, afinal, era membro da SADIA, que apareceu um registo de 2015 da mesma obra.

Não entendo mais nada. Não me deixavam falar, ouvi coisas do género "não lhe dei a palavra”, "não quero ouvir a Helga a falar”, "converse com o Yuri, não fale comigo”, etc., um total desrespeito aos meus direitos fundamentais e queriam definir 30 por cento da autoria de algo que foi 100 por cento criado por mim e plagiado, mesmo com provas de que a sinopse foi escrita por mim, porque até apresentei o esboço original escrito com a minha letra, que facilmente pode ser testado num laboratório e comprovado que tem mais de 10 anos e isso o Yuri nunca vai conseguir apresentar porque não é criação dele, queriam persuadir-me a aceitar 30 por cento de um valor pago pela criação que dava menos de 300 dólares e impor-me que o meu original da sinopse foi escrito pelo Yuri e que apenas a "ideia” era minha. Só que se esqueceram de um detalhe importantíssimo, que eu tenho o esboço original escrito com a minha letra num papel há mais de 10 anos, muito antes da primeira reunião que tive com o Yuri e as minhas colegas, fica bem óbvio que qualquer outra sitcom com o mesmo nome (ou um nome idêntico) e a mesma sinopse, trata-se de um plágio.


O que a levou a expor o caso nas redes sociais e não a fazer a denúncia junto dos órgãos competentes?
Para desencorajá-lo a fazer com outros colegas. Apercebi-me que tem sido um comportamento recorrente nele, apareceram outros colegas, profissionais da mesma area, a reclamarem do mesmo. Por estas pessoas, que talvez não tenham voz para denunciar esses actos, e por todos os outros, para que futuramente não caiam nestes golpes, para terem mais cuidado. Também denunciei aos órgãos competentes, aguardando e orando para que, de facto, se faça justiça.

Eu não viria a público denunciar este acto com tamanha gravidade se não fosse real e numa altura em que se defende tanto a voz das pessoas, para que falem, para que divulguem situações de injustiça, fala-se tanto no combate à impunidade e à corrupção, não me poderia calar em relação ao crime, uma vez que todos os dias falamos para que as vítimas não se calem diante de uma situação de injustiça ou de violação dos seus direitos, então só peço empatia.

E se fosse com vocês, se calariam? E se eles não tiveram a dignidade de ligar para mim antes de cometerem tamanha violação dos meus direitos e nesse tempo todo não se manifestaram em nenhum momento, são meus amigos no Facebook, poderiam, pelo menos, enviar uma mensagem antes de fazerem o que fizeram, agora deveria eu ligar para eles antes de os denunciar? A eles que mataram um sonho meu de representar a minha história? De ver a minha criação reconhecida e fazer parte da mesma, uma vez que eles foram convidados a partilhar comigo este sonho e me excluíram? Não se trata de dinheiro, trata-se de dignidade. Apenas para reflexão.


Mencionou que o uso indevido de obras da sua autoria tem sido recorrente. Consegue enunciar outros episódios que aconteceram?
Muitas vezes, em músicas compostas por mim, nomes de canais televisivos, ideias de programas de TV, storys de videoclipes, looks, etc. Mas esta da sitcom foi o pior por ter sido um plágio a 100 por cento, sem nenhuma adaptação nem nada, é preciso muita coragem para fazer isso ao outro, todos eles sabem de quem é a autoria, o próprio elenco principal sabe, também são criadores e conhecem a dor de ser roubada uma criação e mesmo assim atropelaram os meus sentimentos sem piedade alguma.

Fico muito desgostosa com a impunidade no nosso país. Tenho outros processos de burla, de roubo, esbulho e ocupação ilegal, um tem nove anos, o outro tem quatro anos e o processo simplesmente sumiu do tribunal, escrevemos, denunciamos e somos completamente ignorados face à impunidade e o nível alto de corrupção.

Por outro lado, os advogados que constituí só cobraram os honorários, as custas do tribunal, mas para trabalhar que é bom nada, eu ainda é que tenho de cobrar, andar atrás, não atendem os telefones, dificilmente respondem às mensagens, dão muitas voltas, perde-se tempo com reuniões que os próprios advogados sugerem e depois não aplicam, enfim, uma total perda de tempo, muita teoria quando falam nos programas de TV e pouca prática na hora de aplicar as tais leis. A ver vamos se mudou alguma coisa.

Fonte: JA